A busca por formas de produzir com sustentabilidade é uma meta comum a todos os elos da indústria de alimentos. Ampliar a oferta de alimentos e reduzir as emissões em uma única tacada soa como música e é ouvido com frequência entre os discursos recorrentes que se voltam aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Afinal, este é o objetivo de todos nós: um mundo sem fome e mais sustentável.
Neste sentido, pipocam propostas com este propósito. Muitas, coerentes e alinhadas ao objetivo. Outras, se vestem de simpáticas soluções que, na verdade, escondem interesses de terceiros.
É o caso, por exemplo, de conselhos como: prefira sempre alimentos de produtores locais.
O advérbio de tempo “sempre” nos remete a uma ideia inabalável, imutável e inquestionável. Significa que, independentemente aos elementos, fatos e contexto, “sempre” será melhor consumir de quem produz próximo à sua casa.
Esta é uma ideia bastante difundida em mercados da Europa, com campanhas promovidas por produtores locais – que, em contrapartida, costumam “atacar” a imagem de entrantes estrangeiros. Nesta “lógica” argumentativa, consumir produtos provenientes de regiões distantes seria menos sustentável.
Tal lógica vale para todos os produtos? Os dados nos dizem que não.
Friso aqui, primeiramente, que é importante respeitar a decisão de quem opte pelas compras locais por fatores sociais e segurança alimentar mínima. Contudo, não é possível concordar que este seja um fator definitivo de sustentabilidade.
Vejamos o caso da carne de frango. Considere duas unidades produtoras, uma instalada no Brasil, outra no Reino Unido. Ambas utilizam milho e farelo de soja como insumos, tem estrutura com galpões com sistema de manutenção de temperatura. Mesmo com fornecedores diferentes, ambos utilizam genética de ponta, que atendem às necessidades do sistema produtivo em que estão integrados.
As semelhanças acabam aí. As diferenças surgem quando verificamos o contexto em que a produção está inserida. Considere, por exemplo, a matriz energética: na maior parte da Europa, as granjas são basicamente abastecidas por sistemas de gás – impactados, recentemente, com altas severas como consequência do conflito no Leste Europeu. No caso do Brasil, há uma transição em curso, com a ampla adoção de sistemas fotovoltaicos – há empresas que já adotaram o modelo em mais de 60% das granjas. Obviamente, o clima ameno do Brasil também contribui para uma menor demanda energética.
Outro ponto é o abastecimento de insumos. Para quem não sabe, a composição da ração de uma ave é, basicamente, milho (65%) e farelo de soja (25%), além de outros insumos. Em ambos os casos temos ampla oferta em nosso território, o que nos faz autossuficientes. Em situação diferente da nossa, as unidades europeias precisam importar estes insumos.
São várias outras disparidades, mas se resumem a uma conta: de acordo com o Departamento de Agricultura do Reino Unido (DEFRA), a granja localizada no Brasil emite 45% menos que a unidade produtora britânica. Vendidas em uma mesma gôndola no Reino Unido, a carne de frango do Brasil ainda terá emitido menos CO² que a proteína produzida no país europeu, mesmo após o processamento, desembaraço, embarque e transporte até a gôndola.
Em outras palavras: o produto local, definitivamente, não se mostrou mais sustentável. O conselho que, na verdade, promove o “protecionismo”, não tem respaldo no quesito emissões.
Em um mercado demandante, quem ganha com um eventual bloqueio das importações? A resposta é tão simples quanto enigmática: ninguém.
O primeiro a perder é o consumidor, com elevações de preços e menor oferta nas gôndolas. Mas até mesmo o produtor local pode sair prejudicado com isto.
Voltemos ao caso do Reino Unido. De acordo com informações do International Meat Trade Association (IMTA), organização que representa empresas importadoras e exportadoras britânicas, se a produção de aves local fosse aumentada para satisfazer a procura britânica de peito de frango (principal produto importado pelo mercado), geraria 2 milhões de toneladas adicionais de produtos não relacionados com peito, que precisariam encontrar algum fim – é o que denominamos como “desbalanço” de mercado. Seria necessário incrementar a produção local em 122%, incluindo a isto todos os custos agregados, perdas de preço e afins. Não é preciso ser criativo para imaginar o tamanho do estrago que seria desencadeado.
O livre mercado global existe para balancear e suprir as necessidades das comunidades ao redor do planeta. Um país que possui características mais vantajosas pode produzir mais, emitir menos e preencher espaços que não são ocupados pelos produtores locais. Mais competitividade, mais segurança alimentar e menos protecionismo, esta é a verdadeira essência da sustentabilidade.