“Nós temos que reconhecer nossas perdas”, afirmou Liones Severo, diretor do SimConsult e um dos maiores especialistas sobre o agronegócio brasileiro, sobre a safra 2023/24 de soja do Brasil. Na análise de Severo, partindo da perspectiva inicial de uma produção de 163 milhões de toneladas, 20% já se perdeu irreversivelmente, 30% dos campos estão convalescentes e 50% estão satisfatórios. Assim, caso as condições de clima não se regularizem – e as previsões ainda não mostram esse cenário mais linear das chuvas – estes 30% podem aumentar e a safra ser menor ainda.
Desta forma, o número do especialista é, neste 27 de dezembro de 2023, de 130,4 milhões de toneladas de soja e, novamente, pode ser revisado para baixo caso o tempo não melhore efetivamente nas principais regiões produtoras do Brasil. “É preciso ir para o campo, conhecer as lavouras, ir até elas e olhar. Um estudo mostra que em todos os anos bissextos as afras quebraram em algum lugar do mundo e veremos isso em 2024”, explica. Nos últimos 24 anos, foi possível se fazer este registro em 2004, 2008, 2012, 2016, 2020 e agora em 2024.
As imagens a seguir mostram as condições da soja em partes de Mato Grosso e foram enviadas por Amadeu Rampazzo, engenheiro agrônomo da Engenorte Brasil.
O especialista afirma que todas as regiões de produção da oleaginosa no país, sem exceção, estão com problemas. E complementa sua análise reforçando as condições de solo da maior parte delas no país, os quais têm pouca capacidade de retenção de água, incapazes de passar por uma seca como esta – reflexo de um Super El Niño – ao mesmo tempo em que o plantio no Rio Grande do Sul, por exemplo, não pôde ser concluído ainda em função das áreas estarem muito encharcadas pelo excesso de chuvas dos últimos meses. Relatos dão conta ainda de que em partes do estado, depois de tanta umidade e plantio atrasado, as precipitações seriam agora insuficientes para o adequado desenvolvimento das lavouras.
Há perspectivas das mais diversas, porém, considerando a análise de Liones Severo, apenas 50% delas é positiva, ou pelo menos satisfatória. Os outros 50% são de preocupação, insegurança, incerteza e nebulosidade sobre como tudo o que se vive na safra 2023/24 vai impactar ou não nos preços. Mais do que isso, os produtores se questionam, na verdade, porque o mercado na Bolsa de Chicago ainda não reage de forma diferente diante de tantos problemas no maior produtor global da commodity.
O diretor do SimConsult explica ainda que o mercado está desorganizado como esteve na guerra comercial entre China e Estados Unidos e durante a pandemia. E que desde que o pregão viva-voz ‘terminou’ em 2014, as cotações já não têm o mesmo comportamento.
“Estamos nas mãos dos algoritmos, a Bolsa de Chicago é o dinheiro pelo dinheiro, é o lucro. Quem negocia o produto são os produtores. A oferta é solicitada pela demanda, esta sim é soberana, e não o mercado. O produto é soberano”, diz. “Chicago era quem catalizava todas as informações do mercado físico e jogava no mercado futuro, de derivativos, que é o filho do produto. Mas, de lá para cá (desde 2014), houve um distanciamento e agora chegamos no ápice, porque os índices de Chicago, de produto, estão todos desorganizados. Então, Chicago, para nós, ficou muito prejudicado, e temos que buscar nosso preço de conveniência que, certamente, virá para nós através do prêmio”, explica.
Na sequência, as imagens são de Antônio Rodrigues Neto, técnico agrícola, com lavouras de Laguna Carapã, em Mato Grosso do Sul.
Os atuais prêmios – ainda negativos – são reflexo, ainda segundo Severo, de um “mercado de segunda mão”, de grandes volumes, negociados entre as grandes multinacionais, e não deveria ser uma referência que se mostrasse como a principal de precificação da soja brasileira. E esta ponta do mercado é mais uma que sinaliza ou não os momentos mais oportunos, ainda de acordo com a análise de Severo, para a venda ou não da soja pelo produtor brasileiro.
“Não tem que vender absolutamente nada. Quando preço não serve, não vende. O preço atual não é conveniente, não sabemos quanto vamos colher, por que vender? Eu tenho dito há muito tempo para não vender enquanto não estiver assegurada a produção brasileira. Mas, naturalmente, há a necessidade de fazer troca, os financiadores também exigem vendas, mas de fato, não é para vender nada. Não tem a qualidade do preço, que é baseada pela taxa de retorno. Então, temos que buscar nosso preço de conveniência, não podemos mais ficar expostos”, complementa.
Abaixo, mais imagens trazem a realidade de Mato Grosso, enviadas por Eduardo Lima Porto, diretor da LucrodoAgro, que está percorrendo o estado. As fotos são resultado de um percurso que passou por Sinop, Ipiranga do Norte, Sorriso, Tapurah e Lucas do Rio Verde.
Liones Severo faz ainda críticas aos números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que ainda apontam para uma safra de 160,4 milhões de toneladas, apontando a falta de uma metodologia adequada e eficiente para a medição da produção e não só de soja. E alerta ainda que caso a instituição não traga uma correção em seus números nos próximos levantamentos, trazendo-os para mais perto da realidade dos campos do Brasil, o país arrecada menos e toda a economia fica comprometida. “Eu só espero que a Conab faça uma avaliação adequada das perdas porque o governo vai arrecadar menos, pois não teremos preços satisfatórios. E se não tivermos preços satisfatórios, o orçamento do governo também será prejudicado”.
O especialista lembra ainda que, nos últimos cinco anos, o mundo perdeu cerca de 150 milhões de toneladas de soja em função das adversidades climáticas, o que deveria deixar os preços ainda mais frágeis. Neste momento, segundo ele, o intervalo das cotações é de US$ 13,00 a US$ 16,00 por bushel, com média nos US$ 14,50.
A colheita, que já começou em alguns locais, deverá ser parcimoniosa, ainda segundo o especialista, e reforça a irregularidade como uma marca bastante agressiva desta temporada. Em Palotina, no Paraná, por exemplo, os trabalhos já começaram, com média de 45 a 50 sacas por hectare, de acordo com o presidente do Sindicato Rural do município, Edmilson Zabot.
Já em Campos de Júlio, em Mato Grosso, a média das primeiras áreas colhidas vinha entre 7,5 e 20 scs/ha, como relatou Tiago Daniel Comiran, produtor local.
MAS E A ARGENTINA?
A Argentina, de fato, poderá concluir a safra 2023/24 com uma oferta regular de soja, porém, não é grande player no comércio do grão. E por isso, na avaliação do diretor do SimConsult, é impossível que todo o buraco que deverá ser deixado pela quebra na safra do Brasil seja compensado.
“A Argentina exporta pouquíssima soja, e quem compra 94% da soja argentina é a China para recompor seus estoques do governo, já que é uma soja que pode ser armezanada por mais tempo”, detalha. Então, o que virá a mais da safra argentina não será capaz de mudar a dinâmica atual do comércio global da soja em grão.