Na semana em que está previsto o primeiro leilão de arroz importado, em 6 de junho, quinta-feira, o setor produtivo continua tentando suspender a medida que pode pesar ainda mais sobre a rentabilidade do produtor brasileiro. A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF (Supremo Tribunal Federal) na tentativa de suspender a operação.
A rizicultura tem tentado, de todas as formas, conter as últimas medidas adotadas pelo Governo Federal com o pretexto de conter a especulação e garantir o abastecimento nacional de arroz, mesmo com inúmeras declarações de que há produto suficiente no país e que o desabaetecimento não é um risco real.
Mais do que isso, analistas e consultores de mercado contestaram as últimas declarações de representantes do governador sobre altas nos preços do grão. O último mês virou o mercado global de arroz de ponta cabeça. A tragédia que assola o Rio Grande do Sul, estado responsável por 70% da produção do grão no Brasil, colocou em xeque a oferta nacional e acendeu inúmeros alertas em todos os elos da cadeia até chegar ao consumidor final. No entanto, as cheias foram apenas mais um vetor em um mercado que já passava por uma severa disrupção.
“Sabemos que o Rio Grande do Sul tem estoque suficiente e não há risco de desabastecimento, mas o governo precisa coibir a especulação. O preço do arroz subiu de 30% a 40% em um mês, o que é inconcebível”, afirmou, no último dia 29, o Ministério da Agricultura em uma coletiva de imprensa.
O descontentamento ainda se agrava frente aos sinais de que o governo já dava, desde o ano passado, sinais de suas medidas de intervenção, também sem necessidade.
Um estudo feito pela Cogo Inteligência em Agronegócios, todavia, mostra que, de acordo com dados da própria Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), as cotações do arroz longo fino no atacado em São Paulo, em fardos de 30 Kg, subiram de R$ 166,60 para R$ 178,40, com uma alta de 7,1% no período de 29 de abril a 3 de maio, antes das cheias no estado gaúcho. Já o arroz em casca, pago ao produtor do Rio Grande do Sul, no mesmo período de comparação, subiu de R$ 104,27, para R$ 117,70 por saca de 50 kg, registrando uma alta de 12,9%.
Ainda assim, no varejo paulista, o preço do quilo de arroz ao consumidor, na mesma base de comparação, recuou de R$ 6,08 para R$ 5,96, uma queda de 2%.
“Os preços estão elevados desde o ano passado, quando a Índia, o maior exportador global, vetou exportações em decorrência de uma seca e provocou altas no mundo todo. Desde a decisão do governo indiano, em julho/2023, o preço do arroz beneficiado WR 100%B da Tailândia – um dos principais exportadores asiáticos –, por exemplo, subiu de US$ 453 a tonelada FOB, para os atuais US$ 664 a tonelada, alta de 46,5%”, afirma Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria. “No Paraguai, principal fornecedor de arroz ao Brasil, nesta mesma base de comparação, o preço do arroz beneficiado tipo 1 com 5% de quebrados, subiu de US$ 473 a tonelada FOB para os atuais US$ 810 a tonelada, alta de 71,2%”.
E esta é apenas um dos cenários que justifica altas tão intensas do arroz, as quais já se observavam antes da tragédia no Sul. Além disso, Cogo aponta também que “é inverídico que os preços do arroz subiram de 30% a 40% no Brasil. Conforme dados da própria Conab, o preço do arroz ao consumidor subiu 25,6% desde julho do ano passado, bem abaixo, portanto, das altas ocorridas na esfera internacional”.
Um levantamento feito ainda pelo analista de mercado Evandro Oliveira, da Safras & Mercado, trouxe o movimento dos preços do arroz mostra que todos o movimento foi de avanço em todos os principais players mundiais no período do último mês. No Uruguai a alta foi de 16% – e US$ 750,00 para US$ 870,00 a tonelada; na Argetina de 19,72% – de US$ 710,00 para US$ 850,00; de 7,33% na Tailândia – de US$ 587,00 para US$ 630,00 – e de 2,54% no Paquistão – de US$ 590,00 para US$ 605,00 por tonelada. Nos EUA, os preços se mantiveram inalterados.
Apenas no Vietnã as cotações apresentaram uma ligeira baixa, de 0,85%. “Isso se deu, basicamente, porque alguma coisa da safra ainda estava sendo colhida. Nos EUA, os preços estáveis se deram com um problema de qualidade no beneficiamento, o qual impactou nos preços, além de uma menor demanda”, afirma Oliveira.
Atualmente, segundo o consultor de mercado da Brandalizze Consulting, Vlamir Brandalizze, trata-se de um mercado de pelo menos 50 milhões de toneladas exportadas a cada ano safra, em âmbito mundial. Segundo números do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), reportados em seu boletim mensal de oferta e demanda no último dia 10 de maio, a produção global de arroz deverá crescer “timidamente”, passando de 517,34 milhões de toneladas na safra 2023/24 para 527,61 milhões na 2024/25.
Apesar deste aumento de cerca de 10 milhões de toneladas, os estoques finais deverão passar de 174,91 para, apenas, 176,12 milhões de toneladas. As exportações do novo ano safra, mundiais, são projetadas em 53,76 milhões de toneladas, contra 53,24 milhões da temporada 2023/24.
OFERTA X DEMANDA
Desta forma, com um cenário já de intervalos estreitos entre a oferta e a demanda, os preços do arroz em todo mundo vinham consolidados em patamares mais elevados e, naturalmente, nos mercados que poderiam sentir os impactos das importações brasileiras, adicionaram ainda mais um espaço para o avanço. No entanto, a alta parece não ter sido tão intensa como apontou Edegar Pretto, presidente da Conab, em sua última coletiva de imprensa. “Tivemos aumento de 30% a 40% no preço do arroz no último mês”, afirmou a autoridade.
Segundo Brandalizze, este é o terceiro ano em que a oferta não atende à demanda com tranquilidade, diante de um volume restrito de grãos frente a um consumo que segue presente e é crescente. “O mercado mundial mudou, o mundo está consumindo mais”, diz. E assim, o consultor mais uma vez afirma que, ao menos neste momento, “não tem como importar arroz barato do mundo, nossa safra é uma safra que atende à demanda, é bem provável que exportemos menos arroz do que exportamos na safra passada, e é provável também que importemos menos, porque está muito caro trazer”.
Brandalizze também citou o Paraguai como origem importante de fornecimento ao Brasil, porém, tendo tido problemas com sua oferta, além da Ásia, de onde é ainda mais caro trazer o produto, considerando, inclusive, a dificuldade na oferta de conteineres para o transporte do grão. “Para trazer arroz a granel, em navio aberto, o risco de contaminação, de trazer um problema sanitário, de contaminação química é muito grande”.
E frente a isso, a tendência, de acordo com os especialistas de mercado, é de que os preços mantenham-se em patamares elevados, mesmo que agora com certa estabilidade, como também apontou a Cogo Inteligência em Agronegócio, citando não só o Paraguai, como também a Tailândia. De onde trouxe, o Brasil trará arroz caro, inevitavelmente e sem necessidade.
“Não só os sindicatos locais, mas também a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e a própria CNA detém informações técnicas relevantes e dados de produção e colheita do arroz que demonstram que o risco de desabastecimento não existe e que a política de importação do arroz se revelaria desastrosa e contrária ao funcionamento do mercado”, afirma a nota emitida pela CNA nesta segunda-feira.
ARROZ BRASILEIRO E O MERCADO GLOBAL
Mesmo diante de todas as adversidades e da continuidade das medidas governamentais, o consultor da Brandalizze Consulting acredita que o mercado, no Brasil, deva se acomodar e possa até registrar uma queda, já que a demanda que deveria aparecer nos próximos meses já aconteceu nas últimas semanas, quando houve uma corrida da população aos supermercados diante das especulações – estas sim reforçadas – de desabastecimento. “Mas, o mercado vai se acomodar em cotações altas, já que o mercado mundial está nos melhores momentos dos últimos anos”.
A tendência é de que nas próximas semanas e meses, os produtores e as indústrias comecem a viabilizar a saída do produto, driblando os desafios logísticos e otimizando a oferta de outros estados, como Mato Grosso, Bahia, Tocantins, Pará. “Há muitas áreas de pivô no Brasil, com arroz agora, então, veremos produção de arroz de pivô, de sequeiro, não vai haver falta de arroz”, diz o consultor.
Do mesmo modo, ele acredita que a cultura do arroz continua sendo viável no curto, médio e longo prazos diante desta mudança pela qual passa o mercado global, sem perspectiva de que a Àsia consiga recuperar sua produção de forma rápida e efetiva. “A área de arroz na Ásia vem caindo ano a ano e a demanda vem subindo. Então, o mercado global de arroz precisa de novos fornecedores e o Brasil pode entrar neste setor. O arroz é uma alternativa, desde o ano passado o arroz vale mais do que a soja pela primeira vez na história – nestes últimos dois anos”, detalha Brandalizze.
Além disso, Carlos Cogo complementa dizendo que, por outro lado, “as importações de 1 milhão de toneladas pelo governo e zeramento do imposto de importação de países de fora do Mercosul até 31/12/2024 são medidas desproporcionais e inadequadas e que poderão trazer sérios danos no futuro próximo, desestimulando os produtores a plantarem a próxima safra”. E assim como aconteceu nos últimos anos de desestímulo, é preciso atenção e cuidado.