Enchentes recordes no RS podem impulsionar preços de alimentos como arroz e laticínios

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Por Camila Moreira e Rodrigo Viga Gaier

SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO (Reuters) -A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul pode ter impacto sobre os preços de produtos importantes para o prato dos brasileiros, como arroz e laticínios, alertam especialistas, que ainda aguardam mais informações sobre a extensão da calamidade para estimarem potenciais reflexos nos índices de inflação.

O Estado responde por 70% da produção nacional de arroz, produto que tem o maior peso no subitem do grupo “alimentação no domicílio” do índice de inflação ao consumidor IPCA. Também é um importante produtor de carnes e laticínios.

Uma fonte do IBGE, responsável pela apuração do índice, destacou que, no caso do arroz, boa parte da safra já foi colhida, mas a preocupação é com o escoamento, já que estradas e pontes foram fortemente abaladas pelas chuvas, deixando várias regiões do Estado isoladas.

“A parte que estiver armazenada nas áreas isoladas pode afetar a inflação”, afirmou a fonte.

Por ora, acompanhamento feito pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da USP, mostra um ligeiro aumento do preço do arroz no Estado, segundo dados até a última segunda-feira. Nesse dia, o valor da saca, incluindo frete, estava em 106,74 reais, ante 105,98 reais na segunda-feira anterior, dia 29 de abril.

O consultor Carlos Cogo, da COGO Inteligência em Agronegócio, com sede no Rio Grande do Sul, afirma, no entanto, que a reação dos preços não é imediata, e prevê uma disparada nas cotações do produto. “Está tudo paralisado”, afirmou. “Arroz é o primeiro que vai explodir o preço. Além de todas as lavouras perdidas, existem inúmeros estoques inviabilizados.”

Entre as commodities, o Rio Grande do Sul também se destaca na produção de soja e milho, produtos que têm influência mais indireta na inflação do varejo, como componentes de ração animal. Nesse caso, a avaliação inicial é de que a demanda pode ser suprida pela produção de outras regiões do país.

Ainda assim, André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que esses produtos podem ter impacto na inflação ao produtor.

“No nosso caso, que medimos preços no atacado, o impacto será maior porque as safras de milho, soja e arroz não foram todas colhidas, então algum efeito para inflação vai ter”, disse.

Na segunda-feira, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informou que há dez unidades processadoras de carnes de aves e de suínos do RS paralisadas ou com dificuldades de operar pela impossibilidade de processar insumos ou transportar funcionários, e alertou para o risco de desabastecimento no Estado.

Em relatório de segunda-feira, o banco JP Morgan citou uma alta de 5% nos preços do arroz nos últimos cinco dias e afirmou que, se esse aumento for repassado aos consumidores, o impacto sobre o IPCA será de 5 pontos-base.

A XP disse que, em meio às incertezas, ajustou sua projeção para a inflação do arroz — a expectativa agora é de estabilidade dos preços, ante estimativa anterior de deflação –, mas não alterou sua estimativa para o IPCA de 2024, de 3,7%, que está com viés de alta de 10 pontos-base.

“Vamos aguardar por mais informações para ajustar a dinâmica mensal do IPCA”, afirmaram economistas da equipe de pesquisa macroeconômica da XP.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, avalia que o principal foco de preocupação é a indústria de leite e laticínios. “Pode haver perda porque a logística para distribuir leite para outros Estados cessa, e pode ter um impacto mais expressivo (no IPCA)”, afirmou.

No Ministério da Fazenda, uma fonte disse que ainda não é possível fechar uma análise neste momento porque os problemas no Estado ainda estão em desenvolvimento, sendo difícil estimar com precisão gargalos de produção e escoamento de produtos que poderiam gerar pressão de preços.

De acordo com a fonte, a análise inicial que o governo está preparando para medir o impacto do desastre vai focar o impacto sobre a inflação de alimentos. Em avaliação preliminar, ela afirmou que a pressão sobre os preços no país não deve ser grande, mas que é preciso avaliar com mais tempo.

Argenta ainda levantou a questão de como o IBGE, responsável pela coleta dos dados e divulgação dos números do IPCA, irá fazer esse trabalho no Estado, em meio ao caos gerado pelas chuvas.

“Porto Alegre tem peso de quase 9% no indicador. A forma como vai ser feita a coleta desses dados pode ter impacto mais expressivo do que a variação propriamente dita. Não existe uma cartilha para proceder em situações como essa”, disse ela.

(Reportagem adicional de Bernardo Caram e Marcela Ayres, em Brasília, e Roberto Samora, e São PauloEdição de Isabel Versiani e Luana Maria Benedito)

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