O vazio sanitário da soja termina no dia 30 de setembro no Rio Grande do Sul e, embora um pouco mais de um mês pareça ser tempo suficiente para colocar uma nova safra em andamento, não é. Até seria se as condições fossem regulares, se os produtores rurais estivessem aptos para acessar os recursos e garantir, no tempo certo, a aquisição de seus insumos. Ainda antes da soja, a safra de verão de milho no estado, que carrega uma importância grande, também é uma grande incógnita para o produtor gaúcho.
Os últimos números levantados pela Farsul (Federação de Agricultura do Rio Grande do Suk) apontam que a perda financeira estimada na agricultura passa de R$ 4,1 bilhões, considerando o VBP (Valor Bruto da Produção). Considerando apenas arroz, milho. soja, trigo e outros grãos – os quais são bastante cultivados no Rio Grande do Sul durante o inverno, como aveia, centeio, cevada, entre outros – as baixas chegam a mais de R$ 3,9 bilhões. Em volume, são mais de 3,5 milhões de toneladas perdidas.
Ainda assim, quem vem acompanhando o cenário de perto no estado gaúcho sabe que as perdas reais são imensuráveis e que o processo para que elas sejam efetivamente recuperadas pode levar décadas.
COMPRAS DE INSUMOS ATRASADAS
Isabel Minussi, produtora rural e proprietária de uma cerealista em São Francisco de Assis, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, relembra que, nos últimos três anos, os prejuízos foram se acumulando no campo. “Há dois anos nós praticamente não tivemos safra aqui na região. No ano passado tivemos cerca de 60% de quebra na produtividade das lavouras e este ano, este caos que foi. E até agora não vemos nenhuma solução efetiva. Há quanto tempo temos implorado ao governo?”, lamenta Isabel.
A produtora afirma que o “clima é de desespero”, já que as medidas que se apresentam não medidas que cheguem com eficiência e no tempo certo para garantir uma prorrogação ou repactuação das dívidas. “Há produtores que chegam no meu escritório e choram porque não vêem solução”, diz. Mais do que isso, ela explica ainda que muitas operações de crédito não foram contempladas na resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) que prorroga algumas dívidas até 16 de setembro, o que contribui ainda mais para que a negativação dos agricultores continue e que o acesso ao crédito fique ainda mais restrito.
“A grande maioria dos produtores aqui na fronteira oeste não comprou o adubo ainda para plantar a nova safra, estão aguardando as medidas para decidir o que fazer, se vão plantar, se vão reduzir área. A situação é muito difícil. Estou na atividade há mais de 30 anos e nunca vi uma situação tão desesperadora como esta, com esta angústia e este desestímulo do produtor”, relata Isabel.
Mais do que isso, ela lembra que os produtores gaúchos não buscam por uma anistia de suas dívidas, apenas a garantia de diretrizes mais condizentes com sua atual situação para que possa pagá-las. “Temos uma indústria a céu aberto e não conseguimos controlar isso, como não se consegue controlar o mercado também”, complementa. “E por isso, este setor teria que ser visto com olhos diferentes”.
As enchentes acometeram o Rio Grande do Sul em um momento em que os preços do grãos já vinham registrando uma pressão considerável, em especial na soja e no milho, estando já pressionados em uma ponta ainda anterior, no mercado futuro internacional. As margens, como explicam analistas e consultores, são estimadas para serem bastante estreitas e ao olhar para a safra gaúcha, ainda mais. Considerando mais este fator, é bastante justificável que as compras de insumos estejam bastante atrasadas no estado.
Um levantamento feito pela Agrinvest Commodities mostra que as compras de fertilizantes no Rio Grande do Sul alcançam algo como 70% a 72% para a safra 2024/25 de soja, contra 76% da média dos últimos cinco anos. Em todos os demais estados, como mostra o mapa abaixo, os números passam dos 90%.
As compras de sementes estão ainda mais baixas – entre 64% e 66% para esta temporada, contra mais de 90% também para os outros estados produtores pelo Brasil. A média para o estado, dos últimos cinco anos, é de 73%. Já entre os defensivos, o índice cde comercialização é de 48% a 50%, contra 55% da média gaúcha, e frente ao intervalo nacional de 71% a 73%.
“Somos produtores de alimentos e deveríamos ser tratados com mais dignidade”, reitera Isabel. “É muito triste e muito injusto tudo o que está acontecendo. Mas, parar neste momento não é uma opção”.
O QUE DIZEM OS PRODUTORES RURAIS
Em São Sepé, na região central do Rio Grande do Sul, os preparativos para o plantio de soja já deveriam ter começado, como contou a produtora Grazi Camargo. “Em um ano normal, pós-colheita, a gente sempre faz o planejamento, já compra todos os insumos. Em agosto os adubos e sementes já estão chegando, porque iniciamos o plantio aqui em outubro. Então, tudo tem que estar preparado e planejado”.
Porém, neste ano, ainda não foi possível iniciar os trabalhos para a próxima safra. Após uma sucessão de anos com perdas na soja por conta da falta de chuvas, a tragédia climática sobre o estado gaúcho no final de abril impossibilitou uma recuperação financeira por parte do produtores rurais, que se preparavam para a colheita.
Com isso, a maior preocupação dos produtores do Rio Grande do Sul é como pagar os débitos que ficaram para trás. “Até o momento não tem ninguém fazendo nada porque estamos com dívidas. A gente perdeu o poder de quitar as dívidas porque a gente não colheu, a gente não tem recurso, então não tem nada. Está todo mundo em um desespero total porque não tem solução. ”, relatou Camargo.
A esperança de uma recuperação estava em uma disponibilização de recursos do Governo Federal. Após o desastre climático e meses de aguardo por um suporte do poder público, a produtora foi à luta e tornou-se uma das principais representantes do movimento SOS Agro RS, que reúne melhares de agropecuaristas do estado.
Para poder inciar os preparativos da safra 24/25 no Rio Grande do Sul, os produtores do estado precisariam uma solução rápida e abrangente. Por esse motivo, o SOS Agro RS passou a reinvididar o pleta da Fetag e da Farsul, isto é, uma única linha de crédito com juros de 3%, com 15 anos para pagamento e dois de carência.
A ideia dessa reinvidicação é de que todos os produres que tiveram perdas por conta dos consecutivos problemas climáticos, desde a seca dos últimos anos até o excesso de chuvas de 2024, pudem ser contemplados. E uma única linha de crédito seria fundamental para dar agilidade ao processo e os produtores tivessem dinheiro em mãos para quitar as dívidas que possuem e darem início aos preparativos para a safra.
Entretanto, a Medida Provisória anunciada no 31 de julho pelo Governo Federal não atendeu o que era pedido e manteve a indefinição para os produtores rurais, “Se o governo realmente não mandar aquilo que a gente pediu, não vai existir safra 24/25, ninguém vai plantar, não tem como”, afirmou Carmargo.
“A gente não quitou os custeios do ano passado, a gente não pagou as contas ainda de prorrogações de seca. Então está muito complicado, nenhum produtor está pensando na próxima safra enquanto não sanar as contas desta safra que foi perdida pela tragédia”, completou a produtora.
No noroeste Rio Grandense, Celso Sossmeier, produtor rural e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cruz Alta, conta que a situação dele e dos demais asssociados é muito semelhante. Por conta de três anos de estiagem, os produtores que tinham alguma gordura financeira, ou então que ainda possuiam soja, milho ou trigo armazenados, tiveram que usar suas reservas para pagar dívidas com bancos e empresas.
“Devido à pouca colheita nesses anos, essa gordura foi toda queimada. Os agricultores estão com dificuldade até de ter seus limites via bancário. Quando você vai financiar, precisa ter limite, precisa ter capacidade de pagamento. Muitos não têm mais esse limite”, explicou Sossmeier.
Em relação à aquisição dos insumos, ele afirmou que a maioria dos produtores não comprou nada ainda ou quem comprou, comprou mais cedo quando estava mais barato. Porém, ele ainda acredita que seja possível adquirir os insumos a tempo do plantio da próxima safra.
COM A PALAVRA, A COTRIJAL
O Notícias Agrícolas conversou também com a cooperativa agrícola Cotrijal. Por lá, a informação é de que neste momento realmente a comercialização e a compra feita pelos produtores está atrasada em virtude de toda a situação pela qual o produtor está passando.
“A Cotrijal ofereceu condições diferenciadas para que os produtores pudessem adquirir seus insumos, levando em consideração o período mais adequado, bem como os movimentos de mercado, que estava em um momento mais atrativo do que em anos anteriores. Muitos aproveitaram estes descontos especiais, mas ainda há produtores que estão aguardando uma solução para o seu endividamento”, informou Nei César Manica, presidente da cooperativa.
Manica destacou também que 2024 está sendo um ano atípico comparado aos anteriores, por conta das frustrações seguidas dos produtores. Isso provocou endividamentos que vêm safras passadas e a questão das chuvas causou um prejuízo ainda maior.
Ele afirmou que a Cotrijal está trabalhando junto ao Governo Federal, com o Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério da Fazenda, Banco Central e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e espera que possa haver uma solução rápida que dê tranquilidade aos produtores para que possam voltar a adquirir seus insumos.