Em consequência às variações climáticas enfrentadas em 2024, a produção paulista de trigo deve encerrar o ano com números abaixo do esperado. O cenário foi debatido durante a Reunião da Câmara Setorial do Trigo, realizada na manhã da quinta-feira (17), na unidade da Castrolanda, em Itaberá (SP).
Segundo o presidente da Câmara, Nelson Montagna a safra 2023/24 foi marcada por diferentes frustrações. “Nós estávamos com uma expectativa de produção entre 320 e 350 mil toneladas para este ano, mas, aparentemente, pelos números apresentados na reunião, não chegaremos nem a 300 mil. Essa é uma queda expressiva, resultante dos efeitos climáticos e do incentivo à produção de outras culturas em detrimento do plantio de trigo na região”, detalhou Montagna.
Durante a reunião, Montagna reforçou o potencial do estado e a possibilidade do incremento da produção de trigo em terras paulistas, com melhor qualidade. “Temos acompanhado de perto a evolução do grão no estado, que cresceu em qualidade nos últimos anos, o que anima o setor moageiro e auxilia na garantia de compra pela indústria”, reforça.
Em uma rápida apresentação, o presidente mostrou aos participantes dados de uma pesquisa promovida pelo Sindicato da Indústria do Trigo de São Paulo, que ouviu os 10 moinhos associados e contabilizou que juntos, entre setembro de 2023 e agosto de 2024, as empresas de São Paulo adquiriram 586,01 mil toneladas de trigo, um aumento de 27,9% em comparação com o mesmo período da safra anterior (2022/23).
“O número nos pareceu um pouco elevado, quando comparamos aos trazidos pela Câmara, mas mostra que o trigo de São Paulo tem mercado e ainda muito espaço para crescer”, enfatiza Montagna.
Clima interferiu em toda safra de trigo nacional
O cenário, segundo o representante da StoneX, Jonatan Pinheiro é resultado direto da quebra sofrida pelos produtores brasileiros logo no início da safra, o que desencadeou inúmeras baixas e interferiu na qualidade do trigo em todo o país, prejudicando os produtores e a indústria como um todo. “No momento, com a colheita chegando ao fim, a expectativa é que a qualidade do trigo ainda seja superior à safra anterior, mesmo enfrentando a seca, principalmente na região Norte do país”, declarou Pinheiro.
Segundo ele, entre os principais fatores baixistas para o setor brasileiro, estão as melhorias climáticas nos Estados Unidos e na Rússia, a manutenção da exportação pelo Mar Negro e o ingresso da safra argentina, com produção e estoque disponíveis. Já os fatores altistas estão relacionados à maior demanda asiática por importação e consumo, ao menor estoque global, que resultará em uma crescente acessibilidade de mercados, e às restrições das exportações na Rússia, com maior imposto para exportação e preço mínimo acima do mercado.
Para 2025, as expectativas são positivas. De acordo com o presidente da Câmara, o trigo voltará a remunerar: “O mercado poderá observar preços mais firmes na safra 2024/25 e uma melhor qualidade do material produzido”, afirmou.
Na visão de Pinheiro, o ano também será positivo em precificação para o produtor, ponto que colabora diretamente para um melhor desenvolvimento da indústria. “Com a expectativa de melhor precificação, falamos, eventualmente, em ter menos dor de cabeça na hora de lidar com a farinha, que acessará um mercado melhor”, ponderou.
Trigo: um olhar 360
Ao analisar a produção global do trigo, o representante da StoneX, Jonatan Pinheiro, frisou a queda de 2,8 milhões de toneladas em comparação ao ano anterior. Segundo ele, o cenário é resultado das mudanças climáticas enfrentadas pelas principais regiões produtoras, como as Américas e a Europa. “Os Estados Unidos apresentaram uma pequena redução de estoque – nada preocupante, uma vez que o país segue com uma ótima safra, já colhida e consolidada. A Europa, por sua vez, sofreu ao longo de toda a safra em decorrência de chuvas intensas, com volumes elevados de água, e por isso hoje apresenta uma redução muito significativa em relação aos resultados comparados às colheitas anteriores”, exemplificou.
A Rússia, por sua vez, sofre com a queda de mais de um milhão de toneladas. “No processo de colheita, constatou-se que os resultados, também em decorrência das questões climáticas – como períodos de seca seguidos de elevados índices de chuva e geadas – não seriam tão positivos para o país. Já a Ucrânia, até o momento, apresenta o terceiro reajuste positivo, com nítido aumento de produção”, complementou.
Em relação à Ásia, Índia e China seguem estáveis, com índices positivos de produção, colheita e consumo, sem causar impacto ao cenário global. “No entanto, os estoques indianos estão muito abaixo do esperado, por isso não podemos descartar a possibilidade de a Índia comprar trigo no mercado internacional”, indicou.
Por fim, a Austrália contará com uma safra melhor do que no ano anterior, porém uma geada entre o final de setembro e o início de outubro pode afetar a consolidação da safra. Um cenário similar foi vivido pela Argentina, que em setembro enfrentou uma forte seca, o que pode interferir na produtividade local.
“Para 2025, olhando para o desenvolvimento argentino – com a expectativa de uma grande safra e estoques elevados – o mercado nacional tem apontado uma alta nas cotações. Por isso, imaginamos que haverá uma pressão de safra, fazendo com que o mercado ceda um pouco. Contudo, é um momento interessante de compra para as indústrias, o que também colabora para uma melhor precificação no mercado interno. Em resumo, todas as cadeias se beneficiarão de uma safra argentina positiva”, afirmou.
Juntos por um setor cada vez mais forte
Representando o coordenador das Câmaras Setoriais da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, José Carlos de Faria Cardoso Júnior, a assessora de pesquisa da Secretária do Estado de São Paulo, Raquel Nakazato pontuou como o órgão tem trabalhado continuamente para potencializar o desenvolvimento do setor no estado.
Segundo a profissional, segue em andamento o programa estadual CPL – Cadeias Produtivas Locais. A iniciativa, que também beneficiará as cooperativas de trigo, tem como objetivo fomentar a cooperação entre empresas e entidades públicas/privadas, compartilhando recursos, promovendo a aquisição coletiva de insumos, a troca de experiências e a inovação.
“Outra iniciativa é o plano de irrigação, que no momento está em fase de estruturação da Câmara de Irrigação. Nas reuniões, iremos definir planos para identificar a utilização e reuso das águas. Por isso, pedimos e contamos com a importante participação do setor de trigo nesse debate”, convidou.
Raquel ainda destacou que a Secretaria do Estado se reunirá com o Ministério da Fazenda para discutir as solicitações sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), levando em conta a realidade dos produtores e cooperativas do agronegócio estadual.
Uma alternativa eficaz
Na busca contínua por um produto eficiente e de qualidade elevada, o especialista em Qualidade da Cooperativa Castrolanda, Joany Anthony Simão, destacou como o ozônio pode ser uma peça-chave para os produtores de trigo. “Com o ozônio, é possível tratar altos volumes de trigo em até 72 horas, além de apresentar eficiência média de 30% a 70% na redução de micotoxinas, sem deixar resíduos, combatendo outros contaminantes, como bactérias e fungos”, detalhou.
O composto, como explica o especialista, é comumente gerado através da aplicação de alta tensão entre dois eletrodos. “O ambiente por onde passa o oxigênio recebe grandes descargas elétricas, de 15.000 volts ou mais, e o oxigênio que passa entre os dois eletrodos é quebrado e se reagrupa formando o ozônio”, contextualizou.
Na lida com o trigo, o tratamento com essa ferramenta funciona por meio da injeção instantânea, de forma multidirecional e com fluxo controlado, com concentrações variáveis, dependendo do tipo de microrganismo (de 30 a 160 ppm em um fluxo de 8.000 m³/h de injeção).
Além da apresentação de Simão, a reunião também contou com breves apresentações de associados que expuseram suas perspectivas sobre a safra 2023/24.