Uma análise sobre a concentração espacial da produção agropecuária brasileira revela uma profunda reconfiguração do mapa produtivo nacional desde os anos 2000. O estudo, disponível na plataforma de dados SITE-MLog, da Embrapa Territorial (SP), mostra que, à medida que as principais cadeias de exportação avançaram, novas regiões surgiram e ganharam protagonismo, enquanto outras perderam relevância.
A soja é o exemplo mais emblemático dessa transformação. A cultura cresceu e se expandiu por todo o território nacional, reduzindo sua concentração geográfica. Em 2000, quatro microrregiões respondiam por um quarto da produção nacional — Parecis (MT), Alto Teles Pires (MT), Barreiras (BA) e Sudoeste de Goiás (GO). Em 2023, essa fatia passou a ser compartilhada com Canarana (MT) e Dourados (MS). “A soja continua se expandido como a cultura de primeira escolha para as safras de verão em diversas regiões do Brasil”, afirma André Farias, analista da Embrapa Territorial, destacando: “Além de apresentar crescimento moderado nas regiões tradicionais, a cultura ainda tem se propagado significativamente na região do Matopiba, no norte do Mato Grosso, no estado do Pará e na metade sul do Rio Grande do Sul. Nesse caso, portanto, a diminuição da concentração é motivada pela abertura de novas frentes de expansão da cultura no território.”

Segundo o analista, boa parte dessa disseminação ocorreu sobre áreas de pastagens degradadas, o que reforça o papel da soja como vetor de uso mais eficiente da terra sem, necessariamente, avançar sobre novas áreas de vegetação nativa.
Enquanto a soja se espalhou, o milho trilhou o caminho inverso. A produção também cresceu de forma expressiva, mas ficou mais concentrada em regiões já consolidadas. Em 2000, 13 microrregiões, distribuídas em sete estados, somavam 25% da colheita nacional. Em 2023, mesmo com o salto de 8 para 34,9 milhões de toneladas, esse percentual passou a se concentrar em apenas quatro microrregiões — todas no Centro-Oeste: Alto Teles Pires (MT), Sinop (MT), Sudoeste de Goiás (GO) e Dourados (MS). Destas, apenas Sinop não fazia parte do grupo em 2000. “As alterações na concentração espacial observadas no milho estão muito vinculadas ao fortalecimento da cultura como alternativa de segunda safra nos sistemas de produção com soja, principalmente no Mato Grosso”, explica Farias.

Ele enfatiza que o milho segunda safra se viabilizou como alternativa econômica de muito interesse para os produtores e as empresas na região, o que tem viabilizado aumentos substanciais dos volumes produzidos nos últimos 15 anos. “Ainda que o milho segunda safra seja produzido em diversas outras áreas do País, o cultivo é mais exigente em relação às condições climáticas, principalmente precipitação e temperatura —, o que faz com que nem todas as regiões reúnam condições propícias para o rendimento econômico da cultura. Isso favorece a concentração observada nos dados apresentados na plataforma”, pontua.
Foto: Divulgação/Arquivo OPR
Para o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti, a consolidação dessa dinâmica só foi possível devido ao aprimoramento tecnológico das cultivares e ao manejo ajustado ao calendário agrícola. “O ajuste fino do calendário de cultivo, proporcionado por cultivares de soja e de milho mais precoces, dá condições adequadas ao cultivo de duas safras subsequentes”, ressalta.
Spadotti destaca ainda que a Inteligência Territorial Estratégica (ITE) tem papel essencial na compreensão e no planejamento desse novo cenário do agronegócio brasileiro. “Os conceitos de Inteligência Territorial Estratégica buscam justamente antever estes cenários e fornecer à iniciativa privada e aos formuladores de políticas públicas insumos necessários para viabilizar o desenvolvimento produtivo e sustentável da agropecuária brasileira”, expõe.
Com as duas principais commodities agrícolas seguindo rumos distintos – a soja se espalhando e o milho se concentrando, o retrato atual da produção brasileira reforça um ponto central: a capacidade de adaptação regional e o uso intensivo de tecnologia continuam sendo os motores que sustentam o protagonismo do Brasil no cenário agropecuário mundial.
Sobre o SITE-MLog
O Sistema de Inteligência Territorial Estratégica da Macrologística Agropecuária (SITE-MLog) é uma plataforma interativa desenvolvida pela Embrapa Territorial que organiza dados sobre a produção, exportação e infraestrutura logística de dez cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: algodão, bovinos, café, cana-de-açúcar, galináceos, laranja, madeira para papel e celulose, milho, soja e suínos. Gratuito e acessível pelo Portal da Embrapa, o sistema permite gerar mapas e gráficos a partir de informações oficiais, apoiando análises rápidas e estratégias mais eficientes para o setor público e privado.
Lançado em 2018 e atualizado em 2024, o SITE-MLog traz painéis dinâmicos sobre a concentração espacial da produção agropecuária, os fluxos de exportação por região e os portos utilizados, além da localização de armazéns e unidades de processamento como frigoríficos e usinas sucroenergéticas. A ferramenta introduziu o conceito de bacias logísticas, que revela por qual porto cada microrregião brasileira exportadora embarca grãos (soja e milho) para o mercado internacional. Na nova versão, passou a estimar, de forma inédita, a demanda e oferta de nutrientes agrícolas, com base na produção regional e em indicadores científicos.
Mais do que reunir dados dispersos, o SITE-MLog transforma registros brutos em informações geoespaciais de fácil compreensão. O sistema é utilizado por gestores públicos, pesquisadores e investidores para apoiar o planejamento de obras de infraestrutura, políticas públicas e decisões estratégicas no campo.