O uso de sementes de soja não certificadas — incluindo sementes piratas e sementes salvas comercializadas irregularmente — segue em expansão no Brasil e já representa um dos maiores desafios estruturais da cadeia produtiva da soja. Dados consolidados pela Céleres Consultoria, com elaboração da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (ABRASS), indicam que, na safra 2025/26, 27% da área plantada no país será cultivada com sementes não certificadas, o equivalente a cerca de 13 milhões de hectares.
Segundo Gladir Tomazelli, diretor institucional da ABRASS, parte do problema está na distorção entre o uso legal da semente salva e a sua comercialização irregular. “A prática de utilizar sementes produzidas pelo próprio agricultor cresceu de forma expressiva nos últimos anos. Ocorre que uma parcela dessas sementes, que deveriam ser para uso próprio, acaba sendo comercializada ilegalmente, transformando-se em semente pirata”, explica.
O impacto direto desse cenário é sentido na produtividade. Pesquisas indicam que o uso de sementes não certificadas resulta, em média, em queda de quatro sacas por hectare. Aplicada à área total fora do sistema formal, essa redução representa 2,8 milhões de toneladas a menos de soja produzidas no país, além da perda estimada de 1,9 milhão de toneladas em exportações e 0,9 milhão de toneladas no consumo interno.
As perdas econômicas também são expressivas. O levantamento aponta que 16,4 milhões de sacas de sementes certificadas deixam de ser comercializadas, gerando um prejuízo superior a R$ 8 bilhões para o setor de sementes. Apenas de royalties genética, o impacto chega a R$ 590 milhões, comprometendo investimentos em pesquisa, inovação e desenvolvimento de novas cultivares.
“Estamos falando de um efeito dominó que atinge toda a cadeia produtiva”, afirma Tomazelli. “Menos sementes certificadas significam menos produtividade, menos geração de empregos qualificados — estimamos cerca de 4.500 postos diretos a menos — e menor circulação de renda no agronegócio brasileiro.”
Para enfrentar o problema, a ABRASS defende a modernização da legislação de cultivares. A entidade apoia o Projeto de Lei (PL n. 1702/19) em tramitação na Câmara dos Deputados que prevê o recolhimento de royalties de genética sobre a semente salva. “A aprovação e regulamentação dessa lei trarão mais segurança jurídica ao pesquisador e tornarão o mercado de sementes mais competitivo e equilibrado”, destaca Tomazelli.
Além da agenda regulatória, a associação tem investido em ações práticas para elevar o padrão do setor. Um dos principais projetos é a Certificação de Processos ABRASS, desenvolvido há cerca de quatro anos e atualmente em fase de implementação de auditorias, em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
“O objetivo é padronizar e elevar o nível dos processos produtivos entre os multiplicadores associados, garantindo maior regularidade e previsibilidade na qualidade das sementes”, explica Tomazelli. A iniciativa deve resultar na criação de um selo ABRASS de processos de produção, oferecendo maior segurança ao agricultor no momento da compra.
Para o presidente da ABRASS, André Schwening, a escolha por sementes certificadas vai além do cumprimento legal. “Trata-se de uma decisão estratégica para o produtor e para o país. Semente certificada é sinônimo de produtividade, competitividade e sustentabilidade econômica. Quando a semente não certificada ganha espaço, todos perdem: o agricultor, a indústria, a pesquisa e o Brasil”, afirma.
Schwening reforça que a entidade seguirá atuando de forma institucional e técnica para fortalecer o mercado formal. “A ABRASS continuará trabalhando para criar um ambiente mais transparente, moderno e sustentável, onde a inovação seja valorizada e a produção de soja brasileira mantenha sua liderança global.”