
Por Ana Mano e Adriano Machado
ITUPIRANGA, Brasil, 31 Out (Reuters) – Um pequeno barco desliza entre enormes afloramentos rochosos nas corredeiras do rio Tocantins, onde maparás e tucunarés se aglomeram quando começa a luada.
Durante a maior parte de sua vida, Welton de França pescou como seu pai antes dele entre essas rochas, em um dos maiores afluentes da Bacia Amazônica.
Mas o governo brasileiro agora quer explodi-las.
Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) deu sinal verde para o derrocamento ao longo de 35 quilômetros do chamado Pedral do Lourenço, o que transformará este tranquilo trecho do rio Tocantins, depois de obras posteriores de dragagem, em uma via expressa para grãos produzidos no crescente cinturão agrícola brasileiro.
A abertura da hidrovia Araguaia-Tocantins para a passagem de barcaças durante todo o ano criaria um corredor para que as exportações de soja e milho pela Bacia Amazônica rivalizassem com as do rio Mississipi, nos Estados Unidos, reduzindo os custos de frete e consolidando a supremacia brasileira no comércio global de grãos.
No entanto, o Ministério Público Federal do Pará está tentando impedir o projeto — orçado inicialmente em R$40 bilhões, incluindo os 177 quilômetros de dragagem –, e pressiona o judiciário a considerar os impactos nas comunidades ribeirinhas e determinar uma consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Não podemos ir a lugar nenhum sem nossos barcos. Vivemos da pesca”, disse França, cuja família se estabeleceu em uma ilha no rio, com vista para o Pedral, quando ele tinha 12 anos.
Durante audiências judiciais em comunidades próximas ao local do derrocamento, realizadas no final de setembro, o pai de França e outros membros das comunidades ribeirinhas disseram a três juízes federais que temem que o tráfego perigoso de barcaças inviabilize a pesca.
O pai de França leva seus dois netos para a escola todos os dias, atravessando o rio. Enquanto isto, moradoras da Vila de Tauiry cruzam diariamente na direção oposta para colher cocos de babaçu.
Pesquisadores incluindo Alberto Akama, do Museu Paraense Emílio Goeldi, alertam que a biodiversidade do rio também sofreria com as explosões do Pedral, onde muitos peixes residem, inclusive espécies ameaçadas de extinção. Ele lembra que áreas de corredeira em geral servem de passagem para peixes migratórios maturarem as ovas.
As praias da região também são importantes para a reprodução de tartarugas, segundo pesquisadores.
O Ibama autorizou as explosões fora dos períodos mais sensíveis de reprodução e migração, e tomará medidas para monitorar e realocar ninhos de tartarugas, se necessário.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão responsável pelas obras, informou que equipes trabalharão para afugentar os peixes do Pedral antes das explosões.
Para defensores da hidrovia, como o governador do Pará, Helder Barbalho, as vantagens de um frete mais barato e limpo superam em muito quaisquer desvantagens.
“O Estado do Pará acredita ser possível conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico”, afirmou.
O governo brasileiro prevê que a hidrovia Araguaia-Tocantins poderá transportar inicialmente cerca de 20 milhões de toneladas de grãos como milho e soja para os portos fluviais do Arco Norte a cada ano, reduzindo as longas e poluentes viagens de caminhão.
O impacto nas emissões, no entanto, não é tão simples; e delegações discutirão o assunto a mais de 500 quilômetros rio abaixo, em Belém, em novembro, durante a cúpula climática COP30 das Nações Unidas.
A principal fonte de gases de efeito estufa do Brasil é o desmatamento, já que vastas extensões da floresta amazônica e do vizinho Cerrado são desmatadas a cada ano para dar lugar a terras agrícolas e pastagens.
Em nenhum lugar essa fronteira agrícola está avançando mais rápido do que no chamado Matopiba, na área de influência da hidrovia proposta, uma tendência que o barateamento do transporte só pode incentivar.
Maria de Sousa, uma das várias mulheres em Vila Tauiry, no município de Itupiranga, que colhem cocos de babaçu para quebrar e produzir óleo e farinha, disse que seu modo de vida já está ameaçado pela expansão das fazendas.
Seus vizinhos têm envenenado as Palmeiras babaçu da região à medida que expandem suas fazendas e pastagens, forçando as mulheres a atravessar o rio para encher sacos com os cocos do outro lado, disse ela.
“Se abrirem a hidrovia, não conseguiremos colher os cocos”, conta Sousa. “Dizem que o babaçu é uma praga… mas para nós, quebradeiras de cocos, é questão de sobrevivência.”
A melhoria da infraestrutura logística no Arco Norte tem sido fundamental para o boom dos grãos no Matopiba na última década. O frete hidroviário é por volta de 60% mais barato que o rodoviário, em média, para médias e longas distâncias, afirma o especialista em logística Thiago Pera.
Pesquisadores brasileiros do Climate Policy Initiative (CPI), um think tank, descobriram que mesmo os investimentos em infraestrutura de transporte menos poluente, como ferrovias e hidrovias, podem gerar emissões indiretas, estimulando o desmatamento para abertura de novas terras agriculturáveis.
Por exemplo, o CPI constatou que a ferrovia batizada Ferrogrão reduziria as emissões diretas em cerca de 1 milhão de toneladas, retirando caminhões das estradas, mas adicionaria cerca de 60 milhões de toneladas de emissões indiretas ao impulsionar a expansão da fronteira agrícola do Brasil.
Para as comunidades que tentam impedir o derrocamento do Pedral do Lourenço no rio Tocantins, o medo é palpável.
“Perderemos espaço no rio para as barcaças que transportam minério de ferro e produtos agrícolas”, disse o líder comunitário Ademar de Souza. “Não temos certeza sobre o futuro.”
(Reportagem de Ana Mano e Adriano Machado)
 
								 
                 
	 
						
									 
						
									 
						
									